Tanguedia
Nós que vivemos os ditos "anos de chumbo" lembramos muito bem o papel da música que, de uma maneira ou de outra, denunciavam as mazelas do sistema então vigente. Muitos dos compositores foram prolíficos naqueles dias e, quando a motivação acabou, a música (de protesto) também. Esse caráter funcional da música (seja de protesto ou não) é inerente ao humor e às paixões de um dado momento para exprimir o inexprimível (que é a função precípua da música). Isso me faz pensar que talvez atualmente a situação não esteja tão crítica assim pois ameaças são possibilidades que não produzem música. Os temas que hoje são discutidos e considerados como problemas são, ao meu ver, discutíveis. Mas é inegável que a música tenha um quinhão considerável quando ela fala, como diz o Gismonti, "a voz que vem do coração". Um artigo recente num jornal tratou, especificamente, a música como um curativo para rompimento de relações amorosas. Alguém fez uma estatística sobre o assunto e 70% dos nossos concidadãos encontra refúgio na música nesta hora de angústia e 82% em qualquer outra situação de "desconforto". No entanto esses números me parecem dizer respeito à músicas "com letra" e o conforto vem da identificação do coração partido com o cantador (não se falou em música instrumental). Outro aspecto para esse fenômeno é a foto que ilustra o artigo: uma moça (ninguém mais usa essa palavra) prestes a chorar usando um par de headphones. Ora, tenho percebido que por mais que as pessoas tentem "estar conectadas" o máximo que conseguem é estar conectadas com a internet e não com outras pessoas, contato entre pessoas se faz no corpo a corpo. O uso de fones é um refúgio e fortaleza em que as pessoas se protegem das agruras do "mundo real". Já falei aqui do tempo em que ouvíamos música com os amigos, mas isso é coisa do passado e os modernos não praticam tal tribalismo. Mas ainda bem que a música está presente para aliviar as tensões e ansiedades pois, segundo a OMS, o nosso país foi considerado como aquele que tem mais pessoas ansiosas: mais uma vez o Brasil sai à frente! Se antes (antes de que?) tínhamos um porta-voz para as nossas tragédias cotidianas, hoje todos podemos botar a boca no trombone (na realidade na internet) e continuar balindo dentro do mesmo aprisco, sozinhos.
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* "Tanguedia", como todos sabem, é uma música do Piazzolla.